O réu Marcelo de Jesus dos Santos, que atuava como vocalista da banda Gurizada Fandangueira, disse nesta quinta-feira (9), no júri da Kiss, em Porto Alegre, que tentou apagar o fogo no teto da boate, mas o extintor de incêndio não funcionou.
“Quando eu olhei tinha uma chama e já vinha um rapaz com o extintor. Na minha cabeça eu ia apagar. Eu tive uma chance só de apagar o fogo e a chance que eu tive eu não consegui. O extintor não funcionou”, disse Marcelo ao juiz.
Chorando em diversas partes do depoimento, o vocalista contou que shows com pirotecnia eram comuns na Kiss e que “todo mundo sabia”.
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Como tudo começou
Marcelo relatou ao juiz que o grupo entrou no palco e começou a se apresentar. Os fogos haviam sido montados por Luciano Bonilha Leão, que também é réu no processo.
O grupo anunciou que tocaria um funk. Luciano alcançou a luva com o fogo para Marcelo e, sem seguida, acionou o artefato. Na frente do palco havia seguranças e ninguém avisou a banda que não era permitido utilizar fogos de artifício na casa.
O réu demonstrou com as mãos o movimento que fez quando o artefato foi acionado para dar o efeito especial. Dois minutos depois, segundo ele, o irmão do vocalista, que também integrava a banda, avisou que havia fogo no teto.
“Ele disse ‘tá pegando fogo’ e eu olhei. Tinha uma chama do tamanho de uma chama de fogão”, disse Marcelo, negando que tenha pulado.
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“O extintor não funcionou”
“O extintor não funcionou e eu gritei ‘fogo, fogo! Sai!. Eu entrei em desespero em cima do palco, e alguém gritou que viria mais extintor, mas não veio”, relatou o réu, contando que o equipamento estava com um pino soltou e não tinha nada dentro.
Luciano ainda tentou conter a chama com uma garrafa de água, mas o fogo aumento ainda mais. Outras duas pessoas tentaram utilizar o mesmo extintor que ele havia tentado acionar, mas o equipamento novamente não funcionou.
Marcelo disse que perdeu os sentidos e não recorda como saiu da boate. Apenas sabe que foi seu irmão quem o tirou do prédio. Antes disso, porém, diante do fogo e da fumaça se alastrando, ele “viu que ia morrer”.
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“Nem em filme se vê o que eu vi”
Em outro momento de choro, o cantor afirmou que nenhum dos réus queria as mortes que ocorreram naquela madrugada de 27 de janeiro de 2013, e pediu um julgamento “justo”.
“Eu quero uma justiça correta. Ninguém de sã consciência iria imaginar que iria acontecer aquilo ali, daquele tamanho. Era uma cena de horror. Nem em filme se vê o que eu vi lá dentro e o que eu vi lá fora”, disse o vocalista.
O músico, que trabalha como azulejista, disse que até hoje carrega as marcas psicológicas da tragédia: “Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Não tô bem, eu nunca tive bem”, afirmou.
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Sem tratamento
Na noite do incêndio, Marcelo respirou fumaça e se intoxicou. Porém, acabou sendo preso e não foi encaminhado a nenhum tratamento médico contínuo. Depois, temia procurar atendimento para não ter sua identidade descoberta.
O réu relatou ainda que ele e familiares tiveram Covid-19. O cantor e a mãe tiveram que ser internados e ele só conseguiu uma vaga na UTI com a morte da mãe, que liberou o leito.
Ainda se recuperando da Covid-19, Marcelo está sem trabalhar por causa do tratamento. No entanto, disse que teve dificuldades para arrumar trabalho.
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Fim da fase de instrução
O depoimento de Marcelo encerrou a fase de instrução no júri, que, agora, está na fase dos debates entre acusação e defesa, última etapa antes do veredito dos jurados.
PARA ENTENDER O JÚRI DA KISS
- Entenda o caso
- Denúncia
- Conheça a estrutura do júri
- Rotina diária
- Abertura dos trabalhos
- Os jurados
- Instrução plenária
- Debates Orais
- Quesitos e votação
- O que pode acontecer
- Entenda a diferença entre testemunha e informante
- Informações completas sobre a tramitação do processo constam no hotsite relacionado ao caso: https://www.tjrs.jus.br/novo/caso-kiss/
Além dele, são réus no processo os empresários e sócios da boate Kiss Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, e o auxiliar de palco da banda Gurizada Fandangueira Luciano Bonilha Leão. Os quatro respondem por 242 homicídios e por 636 tentativas de homicídio.