SABRINA SIQUEIRA – Opinião: Se há fatalismo nos nomes

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SABRINA SIQUEIRA

Podcaster do Literatura Oral

Na literatura, a onomásia ou designação nominal pode indicar pistas do caráter das personagens e do provável desempenho delas na trama.

É um recurso para quando o escritor não quer ou pode ocupar muitas páginas de explicações com uma personagem secundária, ou em contos, quando o espaço da narrativa é menor.

É possível que Erico Verissimo, em O tempo e o Vento, tenha se baseado no significado etimológico para nomear o republicano Licurgo Cambará.

Calado, orgulhoso e teimoso, o líder político de Santa Fé poderia replicar a personalidade do legislador espartano de mesmo nome, rígido na educação militarista dos jovens, e enfático quanto à contenção dos sentimentos e à superação da dor.  

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E Lima Barreto, para nomear o protagonista de Recordações do escrivão Isaías Caminha, pode ter se inspirado no primeiro representante da profissão a pisar em solo brasileiro, Pero Vaz de Caminha.

Este era escrivão na equipe de Cabral, em 1500, e se eternizou na nossa história como autor da carta ao rei português D. Manuel, dando testemunho do descobrimento do Brasil.

Fora do universo ficcional, vez ou outra vemos a coincidência de atuação profissional ou de personalidade com o que sugere o nome.

Por exemplo, Santa Maria teve um médico pediatra que, conciliando docência e consultório, encontrava tempo para voluntariado em instituições de caridade e atendia pelo nome “Salvador”.

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Na mesma cidade, uma amiga de sobrenome “Floresta” estuda Engenharia Florestal, área em que também atuam alguns de seus familiares.

Mas nem sempre a coincidência de nome e atuação é boa. Estamos sob o governo de um messias que se julga arauto da moral e dos bons costumes, e arregimenta uma horda de fanáticos, sem fazer nada pelo bem comum.

Teria seu nome do meio gerado alguma atração para a liderança?  Ele parece acreditar que sim, pela certeza de que tudo que faz, por mais absurdo que seja, deve ser entendido como atitude divina.

E, assim, negligencia a compra de vacina e minimiza a pandemia de Covid19 sob aplausos de seguidores e eleitores.

Não é a primeira vez que o Brasil vivencia um fenômeno messiânico, mas o fato do messias alcançar a presidência da República era inédito até as eleições de 2018.

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Durante a Primeira República, aconteceram Canudos e Contestado, considerados os dois maiores movimentos do gênero no país.

Nos dois casos, grande número de pobres seguiu um líder que se posicionava contra os governos, prometendo melhores condições de vida à população.

Antônio Conselheiro, na Bahia, de 1896 a 1897, assustou o poder federal com Canudos. José Maria de Santo Agostinho, na região entre Santa Catarina e Paraná, de 1912 a 1916, liderou o Contestado. Ambos foram aniquilados com resposta violenta do governo.

O messias presidente tem asco do governo anterior, mas não compartilha com os líderes proféticos de outrora o anseio por mudanças sociais ou um bem coletivo, e seu único projeto político gira em torno de garantir interesses pessoais.


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Nenhum ato louvável de gestão explica sua conquista política, a não ser a possibilidade de a palavra “Messias” atrair algum fatalismo para a liderança. Impulsionado pelo nome do meio e pela certeza de que esse nome lhe garantiria lugar na história, via-se fadado a ações bombásticas.

Com essa ideia, aos 30 anos, planejou explodir uma bomba em um quartel, em 1987. Só que essa tentativa inicial de gravar o nome na história foi malsucedida.

Revelado o plano, foi preso. Mas não se deixou abalar por esse primeiro “fracasso”, afinal ele não poderia falar mais alto que sua certidão de nascimento messiânica.

E logo encontrou outro campo de atuação onde poderia exercer influência explosiva no país: a política.  


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Fosse Jair “conselheiro” ou “agostiniano”, poderia estar organizando um acampamento alternativo com seus fãs, sem interferir nos rumos do país na pandemia, causar tensão diplomática com a China ou investir verba pública em Cloroquina.

Mas ele é e se acredita messias, e esses podem flertar com assassinatos em larga escala. Como o fanático Jim Jones, que ordenou o suicídio coletivo de mais de 900 seguidores, na Guiana, em 1978.  

Mais uma vez, a realidade supera a ficção. Desta vez em termos do que os nomes próprios podem prometer.

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